Evangelização é anúncio de Jesus Cristo e do seu projeto o Reino de Deus. Este reino pregado por Jesus também é libertação, é emancipação, é humanização, é abertura para Deus. Há, portanto, algo teológico no ato de educar. Para o cristão, evangelização e educação são conceitos complementares e a Igreja, enquanto instrumento de evangelização, é, portanto, também instrumento de educação, quando a educação é entendida no sentido pleno.
Igreja e educação
Por entender que evangelização e educação são complementares, a Igreja sempre se preocupou com a educação, quer informal, quer formal. Desde as comunidades monásticas da Idade Média, onde ao redor dos mosteiros surgiram escolas de alfabetização para os vilarejos próximos, até a universidade de Bolonha, a primeira universidade da Europa, nascida em 1088, que deu origem a todas as outras universidades, a educação se desenvolveu no mundo, na sombra das catedrais.
No universo do catolicismo, as instituições confessionais de ensino (escolas católicas), quer seja de ensino superior ou ensino fundamental e médio, surgiram no seio da Igreja e mais precisamente nas congregações religiosas missionárias, para serem instrumentos de evangelização na missão da Igreja. Cada instituição, com seu carisma, suas especificidades, seu momento histórico e contexto social.
Com o passar do tempo, as instituições confessionais de educação formal se expandiram, principalmente, em lugares onde a rede pública tinha dificuldade para penetrar em todas as camadas sociais. Essas mais variadas instituições passaram então a ter um grande peso e abrangência no processo educativo formal, desde a educação pré-escolar até as universidades.
Hoje, uma Pastoral da Educação deverá perguntar: as instituições confessionais católicas continuam sendo instrumento de evangelização conforme suas constituições e documentos oficiais? Com que eficácia? A evangelização nessas instituições se traduz em processos de pastoral? Como os processos de pastoral se articulam com a pastoral orgânica da Igreja?
É sabido de todos que o maior desafio da Pastoral da Educação não são as Instituições Confessionais Católicas, pois essas estão bem servidas com seus serviços de orientação religiosa e programas de pastoral. No universo da educação formal, é na rede pública que se encontram os maiores desafios para a Pastoral da Educação enquanto serviço eclesial para educadores católicos que querem também ser evangelizadores. É lá, na rede pública, que trabalham a maioria dos educadores cristãos anônimos, onde a Igreja Católica tem maior dificuldade de penetrar.
As origens da pastoral da educação
Na busca de converter a missão evangelizadora em processos de pastoral no mundo da educação, a Igreja no Brasil lançou, em 1986, o documento 41 Estudos da CNBB, com o título Para uma Pastoral da Educação, que trata
de alguns conceitos básicos de Educação, de Pastoral e de Pastoral da Educação na Pastoral Orgânica da Igreja. Em 1990, foi publicado o documento Educação: exigências cristãs e, em 1992, é elaborado pela CNBB nacional o documento número 47 Educação Igreja e Sociedade. Os referidos documentos foram inspiradores para uma primeira tentativa de inserir a Pastoral da Educação no organograma pastoral do Regional Sul II. É nesse horizonte que a Pastoral da Educação na regional Sul II, em consonância com a ação evangelizadora da Igreja, traçou seu objetivo geral que está explícito no documento das diretrizes: Promover, articular e organizar ações evangelizadoras no mundo da educação, compreendido como pessoas, instituições e ambientes relacionados à educação, com a finalidade de ser sinal do Reino de Deus e de construir um ser humano fraterno, livre, justo, consciente, comprometido e ético. (CNBB, 2007, p. 17).
O documento 47 da CNBB, Educação Igreja e Sociedade, faz uma profética denúncia:
O processo educativo é marcado pelo pragmatismo sem uma preocupação clara com a formação integral do educando. Seus métodos e conteúdos pouco tem contribuído para a cidadania [...]. (CNBB 1992, p. 16). Com base nisso, a pergunta que a Pastoral da Educação deverá se fazer é: as nossas escolas, quer da rede pública ou particular, contribuem eficazmente para a humanização e cidadania plenas? É nesse universo que a espiritualidade e a mística do educador cristão encontra chão para seu agir profético: humanização e cidadania. Não somente no mundo da educação formal, mas também na família, nos meios de comunicação social e em todos os organismos intermediários da sociedade. Segundo o documento 41 da CNBB, Para uma Pastoral da Educação, educação, humanização e personalização são complementares e até sinônimos (CNBB, 1986, p. 16). Isso significa que, quanto mais eficaz a educação, maior será a humanização e mais intensa a personalização. Em outras palavras, quanto mais educados, mais livres e mais humanos seremos. O documento de Puebla afirma, de modo explícito, que “a educação católica é o lugar mais apto para o diálogo entre a fé e a ciência e um ambiente privilegiado para o crescimento da fé” (CELAM, 1982, n. 1040). Desperdiçar este lugar social e este ambiente cultural privilegiado é ignorar aquilo que de mais rico a Igreja possui para oferecer ao mundo. Ignorar a contribuição da Igreja no processo educativo seria renunciar à própria missão evangelizadora da Igreja.
Educador cristão: discípulo e missionário
A identidade do educador cristão
Na perspectiva cristã, há algo de teológico no ato de educar. É claro que do ponto de vista da educação formal, todo o educador, é antes de tudo um profissional da educação, com direitos e deveres, um trabalhador licenciado
para as respectivas áreas da pedagogia. Entretanto, o educador cristão que é consciente de tudo o que significa o mistério e a vida cristã, além de um profissional, é também um forjador de uma páscoa perene, de uma libertação constante, de um êxodo eterno, pois ele está sempre perseguindo a esperança que terá sua plenitude somente na eternidade. É deste pressuposto que brota o discípulo e o missionário.
O discípulo
Ser discípulo é seguir um mestre em tudo o que isso implica. Para seguir é preciso conhecer e amar, e como ninguém ama aquilo que não conhece, é necessário um encontro entre mestre e discípulo para que o amor germine. O Evangelho de João sugere um versículo que poderá ser o alicerce do discipulado: “Foram aonde ele morava, e ficaram com ele naquele dia” (Jo 1,39).
É bom reforçar que experiência cristã não se esgota numa doutrina. Ela tem seu centro numa pessoa com quem precisamos permanecer: Jesus Cristo, o Mestre. É necessário migrar de um discurso demasiadamente conceitual, alicerçado na tradição e nos conceitos pedagógicos da doutrina, para um discurso que contemple o mistério e se apóie na experiência religiosa que está na vida. A verdade filosófica tem como ponto de partida a razão, enquanto a verdade de fé cristã parte do mistério do encontro com o mestre Jesus Cristo na caminhada de cada um.
Qual é o centro da fé: uma doutrina ou o encontro com Deus? O que é uma verdade de fé: uma questão conceitual ou uma questão de vida? A verdade cristã é uma questão de vida, de práxis, de uma atitude iluminada por um ideal. Conhecer Jesus Cristo, em primeiro lugar, não é saber, mas permanecer com Ele, amar e seguir. Isso é ser discípulo. Infelizmente, a teologia, na modernidade, anunciou muitos conceitos doutrinários e pouco o mestre Jesus Cristo. O mundo pós-moderno quer trazer o mestre de volta do exílio para que ele seja reconhecido. Isso não significa abandonar a racionalidade da fé, mas implica em renunciar à pretensão de reduzir a fé a um sistema de verdades lógicas.
O Cristianismo é uma experiência, uma proposta de vida, uma atitude de abrir-se ao mistério do outro e de anunciar o Evangelho aos que estão abertos a ele. Num mundo marcado pela economia de mercado, cuja lógica predominante é a valorização do lucro e a consequente marginalização de pessoas e grupos, a experiência da mensagem cristã ainda não tomou vulto a ponto de transformar as pessoas. Este é o ponto de partida. Tornar-se discípulo, encontrar o mestre, conhecer, experienciar. É desta experiência pessoal que vai brotar a força para o que virá depois, a missão. Entretanto, diante da sociedade e da pessoa que absolutiza a subjetividade, Deus acabou sendo totalmente outra coisa, distante dos processos históricos. Enquanto, para o cristão, o mestre está no meio da vida e por vezes nós não o percebemos.
A mais genuína espiritualidade cristã é um ser humano construtor da história a serviço da vida, do bem e do amor. Uma história não tem um fim em si mesmo. O ser humano e a história são abertos ao que está para além da história. Mas, a cultura ocidental faz de Deus um rival do homem, pois Deus se tornou alguém distante, que proíbe, castiga. A pastoral da educação precisa fortalecer espaços onde se possa, então, afirmar que Deus está perto, presente na vida e na história de cada pessoa e da comunidade humana. Entender essa sua presença é pressuposto para uma vivência humana plena. Jesus Cristo é o verdadeiro Deus e também o verdadeiro homem. Nele se encontra a harmonia ideal para cada pessoa que precisa aprender a viver com os pés no chão e os olhos voltados para o infinito. Essa é a dinâmica própria do humano: a relação harmoniosa entre a imanência (ser humano) e a transcendência (ser divino), entre a materialidade e a espiritualidade. Durante muitos séculos, o comportamento moral do homem assentava-se na observância de leis, normas e códigos. Na pós-modernidade, o critério de verdade não é mais a lei, mas o princípio de onde brota a lei. Por isso, uma pastoral evangelizadora deverá afirmar a proposta do seguimento de Jesus Cristo como princípio fundamental, porque nele cada ser humano é valorizado. A valorização do ser humano como imagem de Deus supera o egoísmo e a busca desenfreada do prazer e da simples satisfação pessoal dos impulsos. O individualismo moderno e a “ditadura do relativismo” devem, na concepção cristã, ser superados pelo encontro e opção fundamental da pessoa de Jesus Cristo, cujo ensinamento primeiro reside na afirmação de que temos um Deus que é Pai. O discípulo é convidado a optar como foi a opção do mestre Jesus. Ele teve como centro de sua vida o Pai, e, no Pai, amar e servir ao mundo. Por isso, na vida cristã, diante de cada pessoa está o convite de Jesus Cristo para ser discípulos na construção do Reino de Deus, já agora, nas realidades historicamente situadas. Isto quer dizer que o encontro com o mestre nos provoca a viver segundo o Evangelho, sem perder a noção da constante e processual realização do projeto de Deus no tempo e no espaço.
O missionário
A primeira epistola de S. João começa dizendo: “[...] o que temos visto, ouvido, contemplado, apalpado... agora vos anunciamos [...]” (Jo 1,13). O missionário, antes de qualquer coisa, é o discípulo que dá testemunho do mestre porque o encontrou e o conhece. O testemunho não pode ser falso, não pode ter identidade duvidosa, é preciso garantia de quem anuncia e também da instituição fornecedora, que em nosso caso é a Igreja. É transparente o testemunho. Anunciar para o mundo e, em nosso caso, o mundo que nos rodeia é, numa esfera maior, o mundo latino-americano que possui características muito próprias. O documento de Puebla explicita muito bem aquilo que nossos bispos chamaram de “feições do povo latino-americano”: crianças golpeadas pela pobreza, jovens desorientados, indígenas e afroamericanos segregados, camponeses sem terra, operários mal remunerados, subempregados e desempregados, marginalizados, anciãos excluídos (CELAM, 1982, cap. II).
Segundo o que nos pede a Igreja, em primeiro lugar, a exemplo de Jesus Cristo, os principais destinatários de qualquer projeto evangelizador deverão ser essas pessoas marginalizadas e excluídas. Diz o documento de Medellín (CELAM, 1968, n. 02): “houve-se um clamor surdo, de milhares de cristãos que esperam de seus pastores, uma
libertação que tarda a chegar.” O documento de Puebla, já citado, retoma mais tarde: “o clamor já não é mais surdo. É claro, impetuoso e em alguns casos, até, ameaçador”(CELAM, 1982, n. 79). O anúncio de uma experiência de fé tem relação com o mundo objetivo, com a vida concreta das pessoas. É na caminhada da vida que encontramos o mestre. É na história pessoal de cada um que a relação discípulo e mestre toma vulto por meio da missão.
A literatura bíblica do Pastor é farta. Na teologia, devemos sempre entender que o único, verdadeiro pastor é Jesus Cristo. Todos somos ovelhas desse pastor, discípulos desse mestre. No entanto, enquanto educadores podemos ter características semelhantes ao Pastor de todos, Jesus Cristo. Sugerimos, dentre tantos, dois textos bíblicos que nos ajudam na missão de pastorear como Deus quer. O oráculo contra os pastores infiéis do profeta Ezequiel e a parábola do bom pastor de João (Ez 34, Jo 10). Nesses textos aparecem as características do pastor missionário: Chamar a ovelha pelo nome. O educando tem nome e em seu nome está a sua história, sua identidade, sua maneira de ser. No Antigo Testamento, Deus chama pelo nome e até muda de nome quando a pessoa muda de vida. No Novo Testamento, o chamado para missão começa sempre com a pronúncia do nome: Maria, Simão, Paulo, André e todos os outros. O educador missionário é sensível ao nome, não somente para identificar, mas porque a ovelha segue quem a chama, constrói laços afetivos, de compromisso, de cumplicidade com a pessoa e com as circunstâncias da pessoa.
Entrar pela porta
É entrando pela porta que somos transparentes. Chamar pelo nome, bater na porta e entrar mansamente na vida e na história do educando para depois com ele peregrinar pelas águas profundas onde navega o grande mestre.
O educador cristão sabe que a educação não é um teatro ou comédia. A verdade muitas vezes é dolorida e como o ser humano gosta de prazer, o ser humano vive na mentira. Mas, é a verdade que liberta. Entrar pela porta é ser verdadeiro mesmo que isso custe lágrimas. Quando nos desviamos do caminho de Deus, andamos por veredas
espinhosas e a volta é sempre dolorida. A saída do Egito também não foi fácil para Moisés e os que o seguiram. Tem sempre um pouco de morte quando queremos buscar vida plena. Mas somente há uma porta, a porta da frente, da verdade.
Conduzir para as pastagens
As boas pastagens, hoje, exigem caminhos mais difíceis. Não é fácil trilhar pelos caminhos da ética, quando o mundo nos convida constantemente para a corrupção; os caminhos da solidariedade, quando a sociedade propõe o
individualismo; da responsabilidade, no lugar da falsa liberdade. O educador cristão que quer ser missionário deverá ter discernimento e senso crítico para distinguir o que é trigo e o que é joio. A juventude busca transcendência, porém em caminhos e lugares errados. Buscam no caminho dos fetiches: consumismo, drogas, sexismo, violência.
Isso tudo poderá ser fome de boas pastagens. Os jovens não sabem aonde buscar, não sabem se conduzir por bons caminhos. Somos nós, os educadores, discípulos, que já bebemos da fonte, que conhecemos os “bons pastos” que devemos conduzir, tirar os educandos do conformismo, da indiferença, da mediocridade. Alguns, possivelmente, já perderam até o “paladar” e não conseguem mais saborear a boa pastagem. Então, é preciso despertar encantamento, ideais, sonhos, esperança.
Ir adiante delas
Testemunhar com a vida. O educador cristão, discípulo e missionário dá exemplo de vida. As melhores ferramentas de convencimento são as atitudes do educador. A autoridade brota dos exemplos de vida muito mais do que os discursos acadêmicos. O grande mestre Jesus Cristo não deixou nada escrito, apenas teve atitudes: com os pobres, os doentes, as crianças, os samaritanos, os pecadores, os poderosos, os fariseus. Sua maior pregação foi suas obras e exemplos. Ir adiante é não desanimar nos primeiros empecilhos, não desistir nas primeiras dificuldades, levantar nos tropeços, arriscar, trocar a pseudo segurança pela esperança, sair do Egito, sair do túmulo, fazer ressurreição. O educador cristão discípulo e missionário entende que nada está resolvido enquanto tudo não estiver resolvido.